Apenas 47% da população brasileira se define como leitora. Esse é um dado alarmante trazido pela 6ª Edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil - 2024. Os norte-americanos leem, em média, 17 livros por ano; indianos, 16; e ingleses, 15, segundo pesquisa da World Population Review. O brasileiro está muito longe disso: lê aproximadamente 3,96 livros integralmente por ano, segundo a pesquisa do Instituto Pró-Livro e do Ministério da Cultura.
Apesar do acesso a publicações gratuitas em bibliotecas físicas e virtuais, a pesquisa mostra que o maior percentual de leitores está nas classes A e B (62% e 60%, respectivamente), com renda familiar superior a 10 salários mínimos (70%). Um dado interessante que a pesquisa considera são os gêneros literários lidos nos últimos três meses por meios que não sejam livros. Cerca de 22% dos entrevistados afirmaram que leem contos e poesias em redes sociais como Facebook e Instagram. Entre os gêneros mais lidos, a Bíblia segue em primeiro lugar, subindo de 35% em 2019 para 38% em 2024. Apenas 8% dos entrevistados costumam ler livros técnicos ou universitários para formação profissional.
Perguntados sobre a razão de não terem lido mais, os leitores justificam a falta de tempo. No entanto, o relatório da State of Mobile revela que o brasileiro passa, em média, 5 horas consumindo telas diariamente. Então, tempo não é exatamente uma desculpa. O fato é que o livro requer um nível de concentração elevado — e sem distrações. É preciso criar o hábito e realizar a leitura sem interferências externas. Ler exige envolvimento, mas notificações chegam no celular o tempo inteiro. Áudios, vídeos e imagens são muito mais atraentes que páginas e páginas repletas de letras em uma folha branca de papel.
Para falar sobre como as tecnologias estão impactando o mundo da leitura, conversei com a escritora e professora Ana Elisa Ribeiro e com Nuno Medeiros, professor da Universidade de Lisboa, que está em visita ao Brasil para uma oficina realizada pela UFMG e pelo CEFET. Eles participaram do Papo On, que vai ao ar na próxima semana.
Envolver-se excessivamente no uso de telas e abrir mão de uma leitura profunda nos torna cada vez mais superficiais. Quando deixamos de ler, reduzimos a nossa capacidade de construir argumentos, entender como as coisas funcionam e ampliar nossa visão de mundo. Para Ana Elisa e Nuno Medeiros, estamos, na verdade, lendo de outras maneiras — seja em telas de celular, seja em livros físicos ou virtuais. O fato é que a leitura está mais fragmentada e dispersa.
A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL VAI ACABAR COM OS ESCRITORES?
Ana Elisa ressalta que existe hoje uma discussão sobre como a IA impactará livrarias, editoras e escritores. A professora entende que a IA generativa é capaz de criar muitos textos e até com certa qualidade, mas não acredita que treinar uma IA para escrever no estilo de um autor como Drummond ou Cecília Meireles seja uma tarefa fácil.
Para Ana Elisa, que também é autora de diversos livros de sucesso, o texto muda com o tempo porque o autor também sofre mudanças. "Em um poema que escrevi no passado, posso mudar algumas palavras. Isso acontece porque também mudei em relação àquele texto", completa. Treinar a IA para aprender o estilo de um determinado escritor não torna a máquina capaz de escrever como esse autor no tempo presente. Nós mudamos com o tempo e pensamos de novas maneiras ao longo da vida. Essa visão mutante e crescente nos torna diferentes das máquinas.
O livro tem status de sacrário da palavra escrita e impressa outorgado de uma dimensão aurática (Walter Benjamim). Será que esse lugar de destaque do livro não corre o risco de se dissolver?
O escritor e filósofo Byung-Chul Han, em seu livro Não Coisas – Reviravoltas do Mundo da Vida, dedica um capítulo à Inteligência Artificial. Para ele: "A inteligência artificial aprende com o passado. O futuro que ela calcula não é um futuro no verdadeiro sentido da palavra. Ela é cega para eventos". Esses eventos são as circunstâncias humanas que se reconfiguram o tempo todo. Mesmo para um texto simples e previsível, como descrever o voo de um pássaro, passamos inevitavelmente por um processo de afetação enquanto observamos. Isso nos toca de maneiras distintas e únicas. Temos, então, um texto cravado no tempo e no espaço, mas que pode se modificar. Às vezes, não no registro impresso, mas na cabeça de quem o escreveu.
Para Byung-Chul Han, "[...] o pensar tem um caráter de acontecimento. Ele traz algo completamente novo para o mundo. A inteligência artificial carece precisamente da negatividade da ruptura, que deixa surgir o novo no sentido enfático. No fim das contas, tudo continua o mesmo. 'Inteligência' significa escolher entre (interlegere). Ela só faz uma escolha entre opções dadas com antecedência, em última instância entre um e zero. Ela não vai além do acontecido previamente para o não acontecido", finaliza o filósofo.
A Inteligência Artificial ainda é limitada nas escolhas que pode fazer. Pelo menos até hoje, o nível de consciência está atrelado ao que ela aprendeu e a quem a ensinou. Em um futuro próximo, talvez ela consiga pensar e imaginar. Mesmo assim, faltará o repertório dos cinco sentidos humanos. Conseguimos descrever cheiros, lugares e sentimentos que só os humanos conhecem. E transformamos isso em livros, filmes, músicas e compartilhamentos.